5ET: Dia 2

Vista matinal do hotel de Laúndos
Vista matinal do segundo dia a partir da varanda do hotel em Laúndos

O segundo dia da conferência fez jus ao primeiro, cujo eco ainda se fazia sentir nas nossas mentes e espíritos. Foi um dia que amanheceu resplandecente, recheado de comunicações e de keynotes que inspiraram e impressionaram. No entanto, apesar do cansaço do dia anterior —notório na audiência—, a elevada assistência de pessoas no auditório impressionou!

No espírito dos artigos anteriores [sobre o workshop e sobre o primeiro dia], segue-se um artigo enorme que resume o dia e coleciona as notas dispersas sobre o segundo dia do 5º Encontro de Tipografia:

  • Painel AtypI;
  • Painel de Comunicações
  • Keynote de Gerry Leonidas
  • Painel de Comunicações da tarde
  • Keynote de Dave Crossland
  • Notas finais

Arranque do segundo dia da conferência e início do Painel ATypI (Slides na imagem)
Arranque do segundo dia da conferência e início do Painel ATypI (Slides na imagem)

Painel ATypI

Este ano, novamente, eu e o Vítor fomos convidados a fazer uma breve apresentação sobre a ATypI. Este é um convite que muito agradecemos e que esperamos que seja interessante repetir. Até porque a associação precisa de crescer mais em Portugal.

Apresentação da ATypI. Slides disponíveis online em: https://www.scribd.com/doc/259599690/Apresentacao-do-Painel-ATypI-no-5%C2%BA-Encontro-de-Tipografia
Apresentação da ATypI. Slides disponíveis online em: https://www.scribd.com/doc/259599690/Apresentacao-do-Painel-ATypI-no-5%C2%BA-Encontro-de-Tipografia

No início do dia a assistência já enchia metade do auditório. No entanto, continuaram a chegar pessoas. Abordámos a história e a missão da ATypI colocando a ênfase nas conferências, destacando as últimas duas—Amesterdão & Barcelona. Principalmente porque o Andreu Balius (organizador da última com o Eduardo Manso) esteve presente na audiência. Destacamos também os prémios atribuídos como Charles Peignot, ou o Letter.2

Mapa das últimas conferências da ATypI (Slides do painel)
Mapa das últimas conferências da ATypI (Slides do painel)

Numa breve passagem estabelecemos um paralelo entre a missão da ATypI e o Encontro de Tipografia (ET), mencionando as cidades com Type Designers profissionais portugueses e as cidades onde se já têm efetuado esta conferência. Tudo isto na esperança de cativar mais membros para a ATypI e de incentivar a participação nos Encontros de Tipografia.

Mapa de Type Designers portugueses confirmados (a verde) e dos locais dos Encontros de Tipografia (a magenta)
Mapa de Type Designers portugueses confirmados (a verde) e dos locais dos Encontros de Tipografia (a magenta)

Painel de comunicações

Tal como já tinha mencionado anteriormente neste blog (num primeiro e segundo artigos) , estava muito curioso por ver um par de comunicações deste painel. Mas, a sessão acabou por ser bem mais produtiva do que estava à espera! Em primeiro lugar, da comunicação da Carolina Ferreira, cuja investigação empírica sobre legibilidade me despertou (muita!) curiosidade.

Carolina Ferreira a apresentar o conceito de legibilidade…
Carolina Ferreira a apresentar o conceito de legibilidade…

Tive oportunidade de interagir com ela no Facebook durante o desenvolvimento do projeto e, ao ver o objeto (livro) da dissertação de mestrado final fiquei muito bem impressionado (mas isto há-de ser motivo para um artigo num futuro próximo).

Carolina definiu (durante a comunicação) a Legibilidade como:

“Fatores internos [da letra] e fatores cognitivos do leitor”

O que me parece perfeito para começar, dada a importância que viria ser dada ao contexto durante este dia, em múltiplas ocasiões. Depois explorou conceitos mais difíceis e técnicos, como a resolução ótica da fóvea [que é aproximadamente 1’ de grau]—o que Bigelow define como 1 CPD—, que, a uma distância confortável de leitura de 40 cm, é de 0,12mm [um dia faço um breve artigo técnico sobre isto].

Livro do Tim Ahrens (http://justanotherfoundry.com/size-specific-adjustments-to-type-designs)
Livro do Tim Ahrens (http://justanotherfoundry.com/size-specific-adjustments-to-type-designs)

Explicou os conceitos dos canais de leitura dos elementos de alta e baixa frequências espaciais de Tim Ahrens, e a forma como só conseguimos concentrar-nos num canal de cada vez. Explicou ainda os efeitos de exposição foveal e parafoveal que deram origem ao trabalho experimental dela (tendo por base os trabalhos desenvolvidos por Mathew Carter & Kevin Larson, e Larson & Sophie Beier).

A comunicação, apesar de curta, foi extremamente eficaz e foi exemplar de como uma comunicação deve ser feita. Apresentou os conceitos chave de legibilidade, a metodologia e os materiais utilizados e os principais resultados com um grau de maturidade muito acima do nível de mestrado que é esperado. E mostrou a maturidade e a seriedade do trabalho em que desenvolveu no mestrado.

[update] A dissertação já está online no repositório da UP. Formas (In)visíveis: A influência da forma das serifas na legibilidade de textos longos, da própria Carolina Ferreira. Este trabalho efetuado durante o Mestrado em Design Gráfico e Projetos Editoriais da FBAUP é exemplar e está muito bem redigido.

É uma introdução histórica (às vezes um pouco alargada no âmbito temporal), técnica (bons resumos de literatura), concetual e metodológica. Ah, e está em português ;). Disponível em: http://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/77899

As referências foram muitas, mas não quero deixar de destacar um punhado de referências da apresentação da Carolina que toda a gente—e eu quero mesmo dizer TODOS os designers—deviam ler, uma vez que foram orientadoras do trabalho dela:

  • Reading Letters de Sophie Beier, Bis Publishers. Aqui apresentam-se resumidamente todos os conceitos, bibliografia e metodologias de teste relevantes para o conceito de legibilidade (A Sophie também tem a tese de doutoramento e uma série de artigos disponíveis online, juntamente com o Kevin Larson da Microsoft, onde explicam a metodologia deles).
  • Size-specific Adjustments to Type Designs, de Tim Ahrens, Mark Batty. Comprei este, ainda em versão da dissertação de mestrado do Tim. Acabei por comprar a nova versão também—muito mais bonita e bem paginada—, graças à dica do Fábio Duarte Martins. O título é bastante auto-explicativo. Boas explicações técnicas (desenho) e óticas (humanas).
  • Book typography and the challenge to linear thought, de Katherine Brideau. Em boa verdade, ainda não consegui arranjar uma cópia desta tese de doutoramento… Mas as citações da Carolina deixaram-me completamente rendido à autora e estou neste momento a tentar arranjar uma cópia (se alguém tiver acesso ao documento por favor contactem-me).
  • Letters of Credit: A View of Type Design, de Walter Tracy. Bom, este livro é uma referência incontornável para qualquer Type Designer. Apesar da Karen Cheng ter resumido bastante bem o material que Tracy apresenta (especialmente sobre o espaçamento), o livro é uma delícia e consegue-se a bom preço (usado). Um clássico.
  • Studies of Typographical Factors Influencing Speed of Reading de M.A. Tinker. Esta é também uma das referências clássicas e mais antigas que tenho sobre legibilidade. O que, juntamente com os trabalhos mais técnicos de Charles Bigelow (Designer da Lucida), optométricos de Arditi et al., mais gráficos de Walter Tracy (Espaçamentos e proporções!), ou Gerard Unger (mais poéticos…), Mary Dyson e muitos, muitos outros fazem uma excelente coleção técnica de legibilidade.
Pormenor de "The Legibility of Type" de Otto Mergathaler (site: Archive.org).
Pormenor de “The Legibility of Type” de Otto Mergathaler (site: Archive.org).

Ainda há muitas referências que podia mencionar. Bringhurst, Hochulli, Gill, Frutiger, Tai et al., enfim. Deixo-vos a descobrir a dissertação dela… Mas, por falar em referências antigas, embora não fala parte do trabalho da Carolina, há pouco tempo dei de caras com este de Otto Merganthaler (Linotype) de 1935. Uma boa leitura histórica, demonstrando que esta ciência já fazia parte da Arte da Tipografia na altura de Tinker: https://archive.org/details/Mergenthaler1935TheLegibilityOfType

Enfim, se se interessam por este tópico (coisa que todos deveriam), devorem a dissertação da Carolina juntamente com a secção de referências bibliográficas.

Sofia Rodrigues a apresentar o Manual do Tipógrafo
Sofia Rodrigues a apresentar o Manual do Tipógrafo

Tenho que confessar que ainda houve mais uma apresentação que, pelo meio, me tomou de surpresa e que gostei mesmo muito. Apesar de ter sido menos dinâmica, a apresentação do Manual do Tipógrafo do Libânio da Silva da Sofia Rodrigues, foi exaustiva na análise deste manual, nas imagens e nos detalhes apresentados. Se já não tivesse o livro, depois desta apresentação tinha mesmo que o comprar!

Audiência durante a apresentação da incidência da Trajan como tipo de letra de posters de filmes nos últimos 20 anos, por Yves Peters
Audiência durante a apresentação da incidência da Trajan como tipo de letra de posters de filmes nos últimos 20 anos, por Yves Peters

Mas a surpresa da manhã foi apresentação do Yves Peters. Confesso que a rubrica que redigia para a Fontshop—Tipografia do cartazes de filmes—não era (nem é) a minha preferida do blog. Mas, a acidez [ironia], ritmo e interação do Yves com o público fez com que esta apresentação “roubasse” o palco da manhã.

Não é a apresentação típica de que se espera neste tipo de contexto. E, talvez por isso, tenha funcionado tão bem. Yves presenteou-nos com uma amostra de cartazes selecionada a partir de milhares de exemplares, agrupando-os em temáticas, fotografias, ou uso de tipos de letra específicos consoante as  intenções [marketing] pretendido.

“Worse than [poster’s] images there’s also typefaces!…”

Peters demonstrou que, como leitores visualmente literados, conseguimos ler, interpretar e prever de que tipo de filme se trata quando presentados com uma imagem gráfica específica. E que conseguimos fazer isso com os tipos de letra. Identificou modas e estilos. E claro, as receitas:

“Trajan escapes all classifications (…) [after 2000] Trajan became the Arial of Movie Poster. (…) The new movie poster is Gotham.”

Impressionante. Estendeu-se um pouco no tempo, mas a audiência respondeu muito bem. Foi um arranque de segundo dia muito bom!

Gerry Leonidas e as metáforas automóveis ;)
Gerry Leonidas e as metáforas automóveis ;)

Gerry Leonidas

A manhã seguiu com o keynote do Gerry Leonidas. Este Type Designer e Professor em Reading já tinha dado graças da sua presença em inúmeras intervenções que foi fazendo a partir da audiência. Um grego apaixonado, mas muito calmo sensato, presenteou a audiência com uma comunicação com que me identifico muito.

Apesar de estar à espera de uma framework mais objetiva, os critérios que nos explicou são, talvez, os mais adequados para julgarmos e avaliarmos o trabalho desenvolvido por nós e por outros—um conjunto de linhas orientadoras que, mais do que indicar certezas, levantam questões que têm que ser vistas em contexto.

On minimum Typeface Quality é uma apresentação que toda a gente deveria ver e rever. Leonidas, no seu jeito mais informal, também referiu que iria disponibilizar (e disponibilizou mal a conferência acabou!) os seus slides no speakedeck.

Slides da apresentação no Speaker Deck: https://speakerdeck.com/gerryleonidas/on-minimum-quality-in-typeface-design
Slides da apresentação no Speaker Deck: https://speakerdeck.com/gerryleonidas/on-minimum-quality-in-typeface-design

Gerry começa a sua conferência explicando que a nossa escolha de um tipo de letra, tal como um carro, reside em critérios mais ou menos objetivos. Às vezes não são os mais racionais. Outras vezes, o objetivo difere de contexto para contexto. Mas explicou que devemos reger-nos por uma ideia de que estas devem ter um conjunto mínimo e significativo de critérios a que têm que obedecer:

“This idea of the minum quality of a typeface is something we should be working torwards…”

Sobre isto menciona que, ao contrário de seguirmos a “treta” do marketing devemos ter presentes os três critérios de análise (tal como na escolha de um carro):

  • Industry & ownership
  • Value & visibility
  • Information & Quality
Sobre a evolução dos processos tecnológicos da produção de Tipos dos últimos 100 anos—da Linotype às fontes digitais (detalhe da apresentação)
Sobre a evolução dos processos tecnológicos da produção de Tipos dos últimos 100 anos—da Linotype às fontes digitais (detalhe da apresentação)

Para o primeiro critério, refere-se à produção. A indústria e a propriedade industrial foi um dos objetos de maior mudança no século XX e início do século XXI. Nós devemos ser mais como pequenas pedrinhas na engrenagem—“little cogs in a gear” [acerca das linotype casters]—, no sentido em que sobre um desenho [puro] não há qualquer sentido em aplicar “propriedade”[ownership].

O que aconteceu foi que desde a industrialização (fazendo um paralelo ao painel do dia anterior e à conferência do Miguel Sousa) as tecnologias tornaram a produção de Type Design opacas…

“Technologies have become opaque [we have the return of the designer-puchcutter]”

A noção-chave que quis transmitir foi a ideia de que ao separar a atividade em múltiplas instâncias de produção e de visualização dos tipos, levanta a questão de quem é a propriedade industrial/intelectual dos desenhos que estão a ser materializados. Isto é, a ferramenta de desenho e produção gera algo que, mais tarde, e utilizado pela ferramenta de composição [o exemplo usado foi o Typekit, motor de rasterização de alguns browsers]. Algo que o Miguel já tinha mencionado antes. O que nos leva a perguntar: então de quem é a fonte que estamos a ver?

“Typekit is a typesetting engine, although we can´t see it (…) The browser is a type stetting environment”

Isto é muito diferente das práticas pré-digitais. Na altura, o que as empresas como a Monotype e a Linotype se preocupavam em guardar eram os desenhos enquanto propriedade intelectual e não  as máquinas, ou as materializações, a propriedade industrial. As ideias de propriedade mudaram com o tempo, na forma como controlamos como essas ideias [os desenhos dos tipos de letra] se materializavam, e podiam ser armazenadas e mantidas seguras. As máquinas eram secundárias em relação aos desenhos—as máquinas instanciavam, materializavam os desenhos:

“The drawings were the main things that were saved (the IP) not the machines. These were considered as secondary (…) The machines were secondary to the drawings.”

Pormenor de uma matriz ótica da Univers para a Lumitype Photon. Capa de um catálogo da Foundry Deberny & Peignot
Pormenor de uma matriz ótica da Univers para a Lumitype Photon. Capa de um catálogo da Foundry Deberny & Peignot

O que, em última instância, nos faz perguntar Where’s the font? What is the typeface?”. Claro que houve ocasiões em que um tipo de letra foi desenhado especificamente para/com uma tecnologia—a Univers para a Lumitype phototypesetter, de Adrien Frutiger—, algo que falo na minha tese de doutoramento também.

“I will be able to have font editors in the browser (in a couple of years it’s perfectly reasonable to assume this)”

Fontclod Alpha. Disponível online em http://fontclod.com/edit.html
Fontclod Alpha. Exemplo de um protótipo de um editor de fontes online. Disponível online em http://fontclod.com/edit.html

De repente, [com o advento do computador e das fontes digitais] onde é que está o desenho? O que é a fonte? Quem detém [é dono] das fontes? “Not in the legal sense” refere Leonidas, mas em termos de controlo de como elas se comportam e são lidas nos suportes:

“it’s not so easy to point your finger at. Suddenly, there isn’t a thing I can protect and hold secure.”

A noção chave é que à medida que as indústrias mudam, as ideias de propriedade e de contribuição também mudam.

Website do Fontforge—o editor de fontes Open Source (http://fontforge.github.io/)
Website do Fontforge—o editor de fontes Open Source (http://fontforge.github.io/)

Para o segundo critério—value & visibility—referiu que há um crescimento no desenvolvimento e disponibilização de ferramentas de criação e edição de tipos de letra, nomeadamente na era digital. Já tinha referido que o Typekit é, entre muitas outras coisas, um motor de typesetting. Mas, o surgimento de softwares simples, fáceis e rápidos, como o Fontforge (que não é propriamente fácil, mas é livre) está mudar o panorama de produção. A acessibilidade a estas ferramentas está  a mudar o panorama e a velocidade de produção de tipos de letra.

“This growth of tools has another impact—it becomes easier and easier for people to get acess to [software for] making typefaces. And I’m using this scary word “commodities” wich means that something trends to zero.”

Refere-se à fase em que estamos agora em que o investimento em hardware e software para desenvolver tipos de letra tende para zero—vai ser possível usar um computador [público] e aceder a um site e desenvolver tipos de letra (fontes) online. No entanto, apesar desta realidade,  emergente a qualidade não se tem degradado. O que mudou foi a velocidade de produção de tipos de letra. E isto também tem o seu impacto na educação dos type designers.

“Someone somewhere might be willing to do it for less than you”

O custo, ou o valor do desenvolvimento de tipos de letra—tal como em outras áreas comerciais—vai tender para zero. O custo vai estar embutido noutros serviços ou commodities que adquirimos:

“[E]verybody has equipment that has a zero cost—a cost embedded in the machines—perfeclty capable [of setting] typefaces”

No entanto, leva a discussão ao patamar seguinte:

“[T]he typeface in itself does not contain any information about it’s own quality”

Para isso precisamos de olhar para fora [de fora para dentro os tipos de letra], para julgar, para avaliar a qualidade dos desenhos. O que nos traz para o terceiro e último critério—information & quality.

Exemplo de uma tipo de letra bestial, mas que não contém informação interna sobre a própria qualidade
Cardea de David Cabianca (Emigre). Um exemplo de uma tipo de letra bestial, mas que não contém informação interna sobre a própria qualidade

Como é que avaliamos a qualidade [de algo que custa zero]? Esta qualidade precisa de ser avaliada. E as pessoas estão dispostas a pagar por esta “validação”.

“I love this typeface—I want to 3D-print it and fondle it! But it tells nothing about its quality. There’s no special mathematic formula.”

A qualidade tem muito que ver com o contexto [tal como apresenta pela referência ao livro Godel Escher e Bach]. A noção de qualidade, o valor do design é “desincorporada” do próprio objeto, mas sim do contexto do seu desenvolvimento e aplicação

"The ultimate pulling machine…"
“The ultimate pulling machine…”

“The ultimate pulling machine (…) [yet] it’s completely useless. But its good for one thing—[to] make sure everyone stops what they’re doing…”

Usa esta metáfora para introduzir as conversas que tem com os alunos quando discute desenhos. Não há regras. Depende do [significado] contexto e do objetivo. Estas não são lineares e mudam constantemente.

“A bit of individuality is interesting” you don’t want to be an outlier otherwise no one will publish you”

Neste sentido, refere a Minion como um standard de qualidade e de adequação a um contexto literário normal. A partir da Minion, conseguimos fazer ajustes e alterações ao contexto e produzir novos conceitos, novos desenhos, novos tipos de letra.

Capa do espécimen da Adobe Minion Pro (1995). Fonte: Aiga Design Archives
Capa do espécimen da Adobe Minion Pro (1995). Fonte: Aiga Design Archives

Mas o que é interessante, é que, para Leonidas, para a geração dele, a Minion é um standard de tipos de letra para leitura. No entanto, para a geração da plateia, que cresceu com as primeiras versões do Windows e da Web, a normalidade, o standard pode ser a Times, ou a Georgia como o default para sans. Para os filhos dele, os tipos de letra default. No entanto, já são os não serifados—são o que mais leram. O que vamos ver é que na distância de uma geração, esta moda o conceito de normalidade vai mudar de Serifado para Não Serifado.

“Normality is not a Serif typeface—this was 30, or 40 years ago. Normality is a Sans Serif typeface (…) A lot of what you read defines your [legibility] ideas of typography”

E nisto reforçou a ideia de que os tipos de letra são sempre desenvolvidos em contextos, imaginados no seu uso. E que acabam por capturar um pouco do espírito e caraterísticas do seu tempo e lugar.

Como exemplo dos novos standards, mencionou a Adobe Source Sans Pro e a Source Serif Pro como exemplos atuais que estão a marcar os novos standards—que definem as novas linhas de base [baselines—ironia intencional?]

Volta ao assunto principal da conferência—como definir critérios objetivos para avaliar a qualidade dos tipos de letra. Ele tem falado recorrentemente sobre este assunto. E normalmente publica-as no seu Speaker Deck: https://speakerdeck.com/gerryleonidas/tools-techniques-and-innovation-in-typographic-design

Das recomendações mencionadas, destaco a recomendação para desenvolver variantes estilísticas [para uma oferta editorial mais completa]. Nomeadamente no peso—lembro que ele liga muito o desenvolvimento de tipos à aplicação atual na Web [CSS] que permite 9 pesos diferentes. E na recomendação para o fazer de forma a suportar as decisões técnicas e artísticas numa escala global.

“Making a typeface that Works well [in its context] and that is consistent in style…”

Sobre as soluções visuais e decisões gráficas que temos que implementar nas formas tipográficas no desenvolvimento a resposta de Leonidas é simples:

“The answer is: it depends!”

Apresentou e foi explicando os critérios, literalmente como uma framework de avaliação da qualidade, tendo em conta o contexto de desenho e aplicação dos tipos de letra. O que durante a sessão tinha [para mim] ficado um pouco confuso.

Mas, agora à distância, é muito claro e simples—Gerry Leonidas não nos enganou com o título da apresentação. Esta framework faz-nos pensar (durante o desenvolvimento, durante o desenho), ou permite-nos escolher um tipo de letra para uso num projeto. Tal como a Arial ou a Verdana foram desenhadas tendo em conta os constrangimentos (tecnológicos e de leitura) da altura, hoje olhamos para estes tipos clássicos e outros novos, emergentes, com traços sientos, ou com personalidade, de uma forma muito diferente…

“At which point does this [quirkiness] becomes part of the identity of the typeface?”

A conferência entrou então em detalhes mais técnicos e pormenor em quase cada um dos pontos [As minhas notas aqui foram mais escassas… ]

Mas basicamente Leonidas volta sempre ao conceito de definir e marcar standards em cada tempo e lugar, como as Microsoft C-fonts, como a Cambria, ou a Corbel. Fontes Gratuitas e Open Source como a Vera, Lato, Source. Ou apenas gratuitas como a Brie estão a definir estes standards. Mas apesar de gratuitas, as fontes não têm um custo zero—as pessoas e as empresas [referindo-se especificamente à Georgia e à Verdana desenvolvidas pela Microsoft em 1996] investem muito tempo e dinheiro para as desenvolver com qualidade para depois as publicar livremente—são investimentos: people really put money in this thing”.

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E o desafio atual é como avaliar a qualidade (de uma forma, ou num âmbito global, internacional)? E apresentou a compilação de critérios que tem online nos slides deta apresentação: https://speakerdeck.com/gerryleonidas/on-minimum-quality-in-typeface-design

https://speakerdeck.com/gerryleonidas/tools-techniques-and-innovation-in-typographic-design
Tools, techniques & innovation in Type Design lecture by Gerry Leonidas: https://speakerdeck.com/gerryleonidas/tools-techniques-and-innovation-in-typographic-design

E em slides de apresentações anteriores que disponibiliza da mesma forma: https://speakerdeck.com/gerryleonidas/tools-techniques-and-innovation-in-typographic-design

Mas lembra que estes critérios tem que ser complementados e avaliados com o contexto do desenho específico. Necessidades diferentes, tal como exemplificou na diferença entre os jornais “Broadsheet” e os “Berliners”. Os primeiros normalmente apresentam uma hierarquia de 8 níveis tipográficos, e os segundos cerca de 5. Já aqui temos diferenças na variedade [e maiores constrangimentos ao programa de desenho dos tipos de letra]. Mas quando mudamos novamente de media—para tablets, por exemplo—estamos restringidos a uma plataforma ainda mais “plana” a nível hierárquico.

“So there you have it—I’ve given you a set of problems: changing a typographic environment…”

Como parte desta estratégia, Gerry Leonidas falou do objetivo que tem de tornar disponível uma série de recursos (como os slides que disponibiliza) que suportem a aprendizagem de Typeface Design.

O mundo não é só "latino": https://speakerdeck.com/gerryleonidas/tools-techniques-and-innovation-in-typographic-design
O mundo não é só “latino”: https://speakerdeck.com/gerryleonidas/tools-techniques-and-innovation-in-typographic-design

No nosso mundo ocidental [de Design Gráfico e Typeface Design], esta é uma disciplina relativamente madura. Mas temos que nos lembrar que, no mundo árabe, ou oriental, esta disciplina ainda tem muito para ser desenvolvida—tal como Miguel Sousa já tinha referido no dia anterior. E, talvez de forma mais importante, apesar de ser uma disciplina de crescente visibilidade, a maior parte das pessoas envolvidas no desenvolvimento de plataformas tecnológicas de edição e publicação tipográfica são engenheiros ou developers de software sem conhecimento especializado—e que tem interesse em aprender. [Aqui Gerry Leonidas referia-se particularmente à Web e a forma como as CSS permitem manipular os pesos, ou à forma como as opções e os painéis de controlo nos diferentes softwares como o Photoshop, o o InDesign são desenvolvidos]. Tanto eles como nós, temos muito a ganhar com que eles aprendam para desenvolver soluções mais adequadas. Mas é preciso não esquecer que, estas fontes, que nos parecem gratuitas [e que efetivamente o são para o utilizador final], fazem parte de uma estratégia comercial das empresas como a Microsoft, a Apple, a Google, ou mesmo da Adobe.

http://www.google.com/fonts/
http://www.google.com/fonts/

No entanto, tenho que concordar com o Leonidas. Vivemos numa época muito interessante—uma altura em que é possível adquirir um telemóvel de 25 dólares e aceder aos serviços de e-banking em zonas remotas como a África subsaariana. É um privilégio e uma responsabilidade porque o nosso trabalho pode fazer a diferença ao possibilitar isto (através do desenvolvimento de tipos de letra mais eficazes, ou linguagens específicas). E há uma grande parte do mundo que ainda não está online. E vai estar em breve!

Por isso, temos que estar informados. Temos que aprender e conhecer o contexto corretamente, de forma a transmitir as mensagens importantes de forma correta, e de forma a que as pessoas compreendam.

“We need to fight this curse of Design, that we [just] make things [look] pretty. Because we don’t. That’s the cherry on top of the cake. We make things work for people (…) and understandable. And we also make them pleasurable, and exciting, and individual. That’s your job to do!”

É com esta mensagem, que resume um pouco do conflito interno e externo que tenho vivido nos últimos anos, que fecho as notas da conferência. Vale a pena ver e rever esta conferência e os slides que tem no Speaker Deck. Um designer, um educador e [depois de passar algum tempo livre com ele] um tipo impecável. Conciso nas palavras, mas profundo, complexo e global no significado e na prática implícita. Desconfio que irei voltar às palavras do Leonidas várias vezes no futuro… A conferência agarrou a audiência do início ao fim e desconfio que, tal como eu, muitos irão perceber o significado e a importância desta conferência durante os próximos anos.

http://talkingdesign.io/
http://talkingdesign.io/

A propósito do Gerry Leonidas, enquanto não podemos rever os vídeos da conferência, vale a pena ver a entrevista dele no projeto da Mariana Mota: http://talkingdesign.io/

Resumo da conferência do Gerry Leonidas em Barcelos no 5ET: https://www.youtube.com/watch?v=vgpdh3ln204

[update] Podem ver um pequeno teaser da conferência do 5ET no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=vgpdh3ln204

Ana Carvalho, Ricardo Lafuente, Stefanie Schwarz, Enric Tormo Ballester, Oriol Moret Viñals & Jorge Pereira
(Da esquerda para a direita) Ana Carvalho, Ricardo Lafuente, Stefanie Schwarz, Enric Tormo Ballester, Oriol Moret Viñals & Jorge Pereira

Painel de Comunicações da Tarde

Seguiu-se o painel da tarde com as comunicações, onde gostava de destacar as comunicações de Stefanie Schwarz e a de Ricardo Lafuente & Ana Carvalho. Se, na primeira a ideia de tipografia e manipulação tipográfica não passou da melhor forma, creio que, na segunda, o público não apreciou totalmente o potencial das ideias transmitidas.

Stefanie Schwarz a descrever sistemas tipográficos dinâmicos e o uso do Processing
Stefanie Schwarz a descrever sistemas tipográficos dinâmicos e o uso do Processing

Stefanie Schwarz falou um pouco da sua experiência de aprendizagem de programação. Do percurso pessoal que fez, enquanto designer gráfica sem experiência nenhuma em programação, até dominar o Processing. Quem me conhece sabe que esta é uma combinação que aprecio—Type Design e Creative Coding. Apesar de ter gostado mesmo muito da resenha que fez do percurso, numa apresentação amplamente ilustrada, a crítica que prontamente foi assinalada por Miguel Sousa no final é que Stefanie não desenvolveu Type Design. Crítica com a qual concordo. Mas sim, uma solução de lettering, filtros digitais, ou de exercício de estilo interativo. No entanto, o testemunho foi verdadeiramente inspirador para todos aqueles com medo de se iniciarem numa área de desenvolvimento e criação com código. Enquanto instrutora agora dedica-se a fomentar a aprendizagem destas ferramentas. E tem um site e um manual disponíveis—confesso que o comprei e recomendo ambos:

Ana Carvalho & Ricardo Lafuente a apresentarem a proposta de um workflow de publicação digital
Ana Carvalho & Ricardo Lafuente a apresentarem a proposta de um workflow de Type Design / publicação digital

O Ricardo Lafuente e a Ana Carvalho apresentaram uma proposta de uma framework, um fluxo de trabalho de desenvolvimento e publicação (mais ou menos) automatizada de fontes. Apresentação que, pela complexidade técnica, senti pela parte da audiência, que não foi totalmente compreendida. No entanto, estas plataformas de colaboração e publicação mais ágeis são o estado da arte atual. Ricardo e Ana provaram que apesar da formação em Design de Comunicação, dominam totalmente uma área de desenvolvimento digital que está totalmente na “crista da onda” do que é possível fazer atualmente com as plataformas digitais. Gostava que esta comunicação tivesse tido mais ressonância no público. Talvez em futuras edições? São uma dupla a manter debaixo de olho!

Control Point: Keynote de Dave Crossland
Control Point: Keynote de Dave Crossland

Dave Crossland

Por fim, após dois dias muito intensos, coube ao Daniel Brandão apresentar o keynote de Dave Crossland no fecho da conferência. A sala ainda estava “empacotada” de forma impressionante!

Apresentou uma conferência intitulada “Control Points” [parece que a ironia nos títulos foi a palavra de ordem do segundo dia]. E remeteu para o seu tema “clássico”—a relação de propriedade/controlo/responsabilidade pessoal que devemos ter, ou delegar quando usamos produtos de software. Isto é, já estou a divagar. Crossland é um autoproclamado “libertador” de fontes.  E, naturalmente, como já tenho divulgado aqui no blog (sobre a conferência e sobre o workshop em Aveiro, ou sobre um workshop com o Ricardo Lafuente há uns anos atrás), a conferência focou a estrita relação entre o Software Open Source / Livre e as Fontes digitais [nomeadamente as que estão a ser publicadas pela Google].

Crossland falou-nos um pouco do seu percurso pessoal e da forma como tomou contacto com o Unix e o Open Source. Houve mesmo ainda tempo para referências a Stallman e a FSF / GNU.

http://craftingtype.com/
http://craftingtype.com/

Falhou-nos na sua formação em Reading, a relação com Leonidas e sobre os workshops Crafting Type que ministra por todo o mundo (como o que desenvolveu no 5ET) .

E foi neste tópico, tal como havia sendo mencionado por Miguel Sousa e Gerry Leonidas, que Dave chegou às plataformas digitais móveis e a forma como o próximo bilhão de utilizadores se vai ligar à Internet. Estes dispositivos fantásticos, mas pouco poderosos e baratos, precisam de ter tipos de letra funcionais e agradáveis que sirvam as pessoas nestes dispositivos de forma eficiente.

É aqui que as empresas como a Google, a Adobe, ou indivíduos como o Eben Sorkin, ou outros estão a dar um contributo precioso para desenvolver e facilitar um ecossistema mais rico.

Crossland é um indivíduo inspirador. Enquanto um profissional relativamente novo, mostra como é possível desenvolver um trabalho com um impacto visível a nível global. E isto revela-se no seu próprio percurso profissional por vários continentes—mostrou que há um espaço, um papel importante para os jovens designers e type designers ocuparem no cenário internacional. E a oportunidade está lá para a quem quiser agarrar.

Audiência durante o keynote de Crossland
Audiência durante o keynote de Crossland

O dia terminou com a apresentação dos resultados dos workshops e typewalk. Confesso que fiquei cheio de inveja de não poder ter participado nos outros. Especialmente o de letterpress e de encadernação. Mas, como diria o Vítor Almeida—para o ano é que é! ;)

Type Republic catalog v1.0: http://www.typerepublic.com/fonts.html
Type Republic catalog v1.0: http://www.typerepublic.com/fonts.html

Especimen do Balius

Ainda uma nota final sobre o Andreu Balius. Sendo o “tipo” impecável que é, presentou alguns de nós com o Type Specimen da sua foundry que faz 10 anos—Type Republic. Para além de uma peça editorial e de coleção lindíssima [confesso que sou um pouco de type specimen geek], é delicioso apreciar os seus espécimenes mais conhecidos como a Pradell (na imagem) ou mais esotéricos como a Super Veloz ;)

Fotografia de grupo do final: https://twitter.com/5ET2014/status/539376014305288192?lang=en
Fotografia de grupo do final: https://twitter.com/5ET2014/status/539376014305288192?lang=en

Conclusão

A conferência fechou com uma fotografia de grupo e com um jantar de gala onde pudemos conviver e falar mais um pouco. Fiquei próximo da Stefanie Schwarz, do namorado e do Julien Priez. E foi muito bom. Falámos com o Segalini e a mulher. Brincámos com os filhos dele. Fiquei a conhecer o Telmo Nunes e foi bom para perceber melhor a receção e feedback do um ex-aluno num contexto diferente. Bebemos um copo com o Balius, falámos de espanha e das conferências internacionais. E trocamos impressões com todos de uma forma global.

Voltámos para o Hotel e ainda fiquei a beber um copo com o Dave Crossland, o Julien e o Natanael Gama enquanto trocávamos galhardetes ;)

A conferência terminou de forma relaxada, animada, mas, acima de tudo, de forma muito, muito positiva! Novamente, ficam aqui os meus parabéns a todos, mas mesmo todos os membros da organização, pelo excelente trabalho de preparação e acompanhamento de todas as atividades. Os meus parabéns e o meu obrigado! Tal como tem vindo a ser uma “tradição” nestes eventos, foram 3 dias absolutamente fantásticos. Estou desejoso pela próxima…


Esta entrada faz parte de uma mini-série de entradas que resumem a minha experiência no 5º Encontro de Tipografia, a conferência internacional organizada pela Catarina Silva que teve lugar em Novembro de 2014, no IPCA em Barcelos. Não deixem de ler o resumo, o workshop, e o dia 1 da conferência. Espero que tenham gostado e que apareçam na próxima edição!

By Pedro Amado

Professor Auxiliar na Faculdade de Belas Artes Universidade do Porto a lecionar Design de Tipos de letra digitais (Variable Fonts), Tipografia, Introdução à programação em Web Design II (Javascript) e Creative Coding em Laboratório de Som e Imagem (Processing). Investigador integrado no i2ADS na intersecção da Arte, Design e Tecnologia.

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